Resumen

El propósito de este artículo es el estúdio y análisi de los câmbios que se han producido em los médios de comunicación en el contexto del derecho de acceso a las nuevas tecnologias de la información. Por lo tanto, la investigación coniste em estudiar la plataforms em línea utilizadas por los médios de comunicación y los médios independientes, así como las implicaciones que surgen com el uso de plataformas intermediarias em la difusión de noticias falsas y dicursos de ódio. La reunión de la tutela sobre el derecho humano a la comunicación, la base de la legislación nacional basada em la legislación nacional e internacional y los princípios de los vehículos de médio digitales.

I. Introdução

O limiar deste século consolida um conjunto de tecnologias da informação e da comunicação, em especial a Internet, onde o espaço para divulgação de conteúdos nos apresenta meios comunicativos ocupados por veículos, tais como: blogs, sites, redes sociais, o sistema Internet Protocol TV, e outras ferramentas disponíveis, umas independentes, outras ainda ligadas a veículos tradicionais da mídia de massa. Nessa perspectiva, a Organização das Nações Unidas (ONU), no relatório apresentado pela “Agenda por um Desenvolvimento Sustentável 2030”, aponta o novo século como um tempo de imensa oportunidade para vencer desafios, e que, “a disseminação da tecnologia da informação e das comunicações [...] têm um grande potencial para acelerar o progresso humano, reduzir o fosso digital e desenvolver sociedades do conhecimento” (United Nations, 2015).

Nesta (r)evolução comunicacional, a Internet, ao surgir como ferramenta a propiciar uma maior democratização do acesso ao conhecimento e ao exercício da liberdade de expressão, apresenta possibilidades infinitas aos usuários ao dispor e alimentar o espaço on-line com imagens, áudios e textos. Sob esse contexto, conforme Manuel Castells, a comunicação transcende fronteiras, pois a sociedade em rede é global, “então, a sua lógica chega a países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia” (Castells, 2005, p. 17).

Pelo exposto, à guisa de introdução, e a partir das referidas ideias, tem-se como problema a ser investigado: o quanto as novas tecnologias da informação contribuem para a democratização da esfera pública comunicacional, ampliando e espectro do exercício o direito fundamental da liberdade de manifestação do pensamento do indivíduo sob a égide do Estado Democrático de Direito. Como objetivo geral, afere-se a evolução, no mundo on-line, da tutela ao direito humano à comunicação, por meio de veículos dispostos na rede mundial. Como objetivo específico, tem-se a análise das plataformas on-line que atuam como intermediárias na disponibilização de notícias e o conteúdo a fundamentar as práticas nocivas no exercício do referido direito, a materializar lesão ao próprio princípio democrático.

A fim de um melhor aproveitamento o leitor, o artigo é dividido em duas etapas. Na primeira busca-se estudar o exercício do direito à comunicação pelo viés dos polos emissor e receptor no espaço on-line. Neste novo cenário tecnológico, o encontro da evolução dos meios de mídia no formato digital, por meio dos serviços dispostos em plataformas de streaming, blogs, sites, redes sociais e pelo sistema Internet Protocol TV, bem como, a legislação a normatizar tais veículos, tanto no âmbito nacional, quanto no âmbito internacional. Na segunda etapa, tem-se a análise de instrumentos utilizados no universo político e social que restam por evidenciar a radicalização do denominado “discurso de ódio” por meio da propagação de fake news. Nesse ponto, é feito a análise da falta de uma regulamentação eficaz na contenção dessa prática no direito pátrio, bem como de modelos em direito comparado, que se prestam a punir a propagação de informações e notícias falsas. Ao fim, uma breve conclusão do estudo ora apresentado.

Em relação à metodologia, adota-se o estudo empírico, tendo por fundamento a legislação pátria e comparada na regulamentação do acesso às novas tecnologias da informação, a doutrina especializada sobre a matéria e, ainda, princípios de atuação defendidos pelos veículos de mídias digitais. Na organização do texto, foi adotado um caminho dedutivo, do geral para o particular.

II. As novas tecnologias da informação no contexto das mídias digitais

Manuel Castells assinala que uma característica central da sociedade em rede é a transformação da área da comunicação, incluindo a mídia de massa. Segundo o autor, esse modelo “enfraquece de maneira considerável o poder simbólico das emissoras tradicionais fora do sistema, transmitido por meio de hábitos sociais historicamente codificados: religião, moralidade, autoridade, valores tradicionais, ideologia política” (Castells, 2016). Em seu estudo afirma que o novo sistema de comunicação é definindo por três grandes tendências, a saber:

Com isso, o espaço on-line recebe cada vez mais distinção ao alterar as formas os relacionamentos por meio de algoritmos e uso de dados pessoais, em muitos segmentos sociais, como a economia, a cultura e a política, entre outros. Por consequência, o debate acerca da tutela de um direito fundamental de acesso às novas tecnologias de comunicação ganha força a fim de garantir o pleno exercício de um direito humano à comunicação no mundo on-line. A possibilidade de as pessoas possuírem banda larga em suas casas, nos leva a condição de vivermos em “um mundo de abundancia digital, onde cada criador de conteúdo (filmes, música, jogos online, etc...), pode ter acesso a uma audiência mundial” (Taplin, 2005, p. 270). Este formato ampliou substancialmente o alcance dos veículos de comunicação ao migrarem do modo analógico para o digital. A tecnologia disposta pelo sistema IP-TV teve repercussão direta na audiência dos veículos tradicionais e, por consequência, na forma de vinculação do conteúdo e das propagandas de produtos destinados ao público. Conforme Jonathan Taplin, o modelo tradicional funcionou muito bem até o boom do surgimento da rede por cabo e satélite, “[...] o aparecimento de novas estações privadas que dificultaram a capacidade das pequenas estações em agregar a audiência necessária para um produto básico” (p. 270). Em sede de ilustração, o autor assinala que “um canal de sucesso na Televisão francesa (TF1), nos anos de 1980 conseguia alcançar a audiência de 1/3 do público, atualmente detém 1/8” (p. 270).

Com a ampliação da capacidade de banda larga e o protocolo de Internet (IP), nos dias atuais, é possível em qualquer ambiente com um ethernet3 ligar-se ao IP de um monitor de TV e ser capaz de receber e realizar um streaming media4 de qualidade. Por consequência, como explica Taplin, “qualquer pessoa que queira publicar conteúdo de mídia, não precisa mais do que abrir um simples sítio na web. Pode vender a sua programação através de subscrições de pay per view ou torná-la gratuita” (p. 272).

Neste novo cenário tecnológico, como é de se notar, não há nenhuma empresa clássica de mídia, dos anos de 1970/80, que detenha domínio sobre o sistema de comunicação. Os destaques ficam com empresas da nova era comunicacional, como o Google, Yahoo, AOL, Amazon e outras. No entanto, a liberdade de atuação destas empresas/veículos/plataformas não é absoluta. Essa nova prestação de serviços de mídia tem sido pauta de discussões no continente europeu que passou a tratar sobre sua regulamentação. Assim, o Parlamento Europeu, no ano de 2018, aprovou a determinação de que os serviços de streaming mantivessem 30% de produção de conteúdo local em nos produtos ofertados por sites como Netflix, Amazon e assemelhados. A regulamentação também se atém no nível de propaganda a ser veiculada, que pode chegar no máximo de 20% da transmissão diária. A legislação, além de criar regras a fim de proteger crianças em relação à propaganda prejudicial, de violência, ódio ou terrorismo, também aborda normas que de responsabilidades a sites de redes sociais como o Facebook e o Youtube. (O Globo, 2018).

No Brasil, as discussões sobre a regulamentação dos serviços de streaming iniciaram em 2015. No atual momento há três propostas no Congresso Nacional, porém, não tem tido avanços significativos para sua aprovação. Duas dessas propostas são oriundas de parlamentares e a terceira assinada pelo Conselho Superior de Cinema5 e apoiada pela ANCINE6. (Souza, 2019). Os projetos preveem que os provedores de vídeo sob demanda, no caso, Netflix, Hulu e Amazon Prime Video, disponham em seus produtos conteúdos audiovisuais brasileiros de forma permanente em seu catálogo e, ainda, pagar a taxa de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional- CONDECINE, de até 4% de seu faturamento anual. (Higa, 2019). Nos Estados Unidos da América, o debate em relação a prestação de serviços streaming tem ocorrido com muita ênfase pelo viés da tributação. Conforme Michael Powel, presidente da The Internet and Television Association -NCTA, “quase nenhuma das regras atuais sobre o serviço de vídeos se aplica a empresas como Netflix e Amazon, apesar de seu grande número de assinantes e posição de liderança no mercado” (). A taxação ocorre em 33 dos 45 estados norte-americanos que dispõem de imposto sobre vendas. Na legislação norte-americana, a porcentagem e a base de cálculo é diferente em cada estado e isto faz com que, em alguns, como no caso do State of Connecticut, seja taxado a cobrança de 1% somente sobre as vendas. Em outros, como o State of Florida, é cobrada uma taxa de 7% sobre os serviços de comunicação e uma taxa geral sobre vendas. ().

Em sede de comunicação social, à medida em que a Internet se tornou mais presente no dia a dia das pessoas, as empresas convencionais da mídia de massa começaram a dispor ao público consumidor páginas jornalísticas on-line. No decorrer da década de 1990, surgiu o primeiro jornal on-line no Brasil: o JB Online, no ano de 1995. No mesmo período, o Personal Journal, versão online do The Wall Street Journal, que mantém sede em Nova York, passou a dispor na web o conteúdo do jornal impresso.7 (Pinheiro, 2009). Com o passar dos anos, o jornalismo on-line passou a adotar características semelhantes aos demais conteúdos da rede: “audiência fragmentada, múltiplos discursos, personalização, interatividade e multimídia [...] a narrativa não é mais linear, a partir de um conteúdo você pode acessar outros relacionados” (Camerro, 2019). Em relação às características do jornalismo on-line, é possível destacar a incorporação de outras linguagens, que não somente a escrita, tais como,

Deste modo, o fluxo de informações passa a abarcar uma pluralidade de vozes e uma diversidade na qual o indivíduo visualiza novas formas de exercício de sua cidadania no encontro da compreensão de seus direitos fundamentais e de uma comunicação dialógica. É de gizar que o acesso à informação, na mídia on-line, ampliou o espectro de opções do público consumidor, pois, agora, pode direcionar a sua busca a veículos de mídia de forma segmentada. No entanto, a fim de explorar esse novo ambiente, sem abrir mão dos seus negócios originais, o jornalismo on-line também reproduz a presença dos grandes grupos da mídia tradicional. Esses grupos acabam por ter certo grau de favorecimento por serem “grupos empresariais montados a partir da propriedade cruzada de meios que já possuíam Rádios, TVs e jornais, possibilitando o aproveitamento desse material no mundo online” (Valente, Jonas; Pita, 2018, p. 31).

O desenvolvimento da atividade jornalística on-line ainda procura se adequar à realidade da comunicação social no país. Desse modo, aos poucos as grandes empresas passaram a cobrar pelo acesso ao material disponibilizado, por meio de assinaturas on-line. Isto se deu devido ao fato da perda de audiência e, por consequência, de patrocínios nos veículos convencionais. Outro ponto é a segmentação na disponibilização de informações especializadas ou generalistas, bem como o caráter nacional ou regional das coberturas e a participação do público consumidor como fonte geradora de notícias. (Valente, Jonas; Pita, 2018, p. 31).

Em sentido alternativo aos grupos de mídia tradicionais, a par das potencialidades que a informação apresenta no meio social com a edificação desses novos espaços de mídia, não somente a mídia tradicional tem atuação no mundo on-line, mas a sociedade em rede proporcionou o surgimento de veículos de mídia independentes - uns com o viés de um jornalismo informativo, e outros desenvolvem um jornalismo opinativo ou engajado. Nesta conjuntura, tendo por fundo a democratização da esfera pública comunicativa, a partir do advento das “jornadas de junho”8 - momento em que sociedade civil organizou manifestações públicas mobilizando as pessoas por meio de dispositivos de mídia dispostos na Internet - restou em evidência a importância dos coletivos de comunicação independentes, com destaque ao Coletivo Mídia Ninja9. (Charleaux, 2017).

O Coletivo realizava transmissões ao vivo dos protestos, por meio da sua conta nas redes Facebook e Twitter, usando apenas o aparelho de celular. O Coletivo forjou sua atuação defendendo os seguintes princípios:

O trabalho desenvolvido pelo Coletivo é pautado pela defesa da liberdade de expressão e criação, e seus componentes veem a “velha mídia” como um modelo de “pouca abertura para a experimentação e adaptação às novas formas de produção e interação com a informação permitida pela explosão das redes sociais” (Ninja, 2019b). O interessante nesse ponto é o registro do Coletivo de que, devido ao seu desempenho na cobertura das Jornadas de Junho, a mídia tradicional trata “o próprio projeto da Mídia NINJA como notícia” (Ninja, 2019c). Em seu espaço on-line, a Mídia NINJA incentiva a autoria coletiva, sendo uma opção individual de cada participante a forma como deseja apresentar seu trabalho, conforme assinalam:

O jornalismo é uma das ferramentas de linguagens usadas pelo Coletivo para levantar temas e debates e, assim, fortalecer as narrativas que não tem espaço nos meios convencionais de comunicação. Em relação à imparcialidade ou não apresentada nas matérias, afirmam que, nenhuma construção humana é capaz de ser imparcial, já que resulta da soma de todas as nossas experiências anteriores e de nossa visão de mundo, sendo que:

Antes da repercussão do trabalho realizado pelo Coletivo Mídia NINJA nas “Jornadas de Junho”, o jornalismo independente já era uma realidade no Brasil. É o caso da Agência Pública -APública, que desenvolve um jornalismo investigativo e tem por objeto principal a defesa dos direitos humanos. APública, fundada em 2011, teve suas matérias republicadas, no ano de 2018, por mais de 700 outros veículos de comunicação sob a licença Creative Commons10. (Creative Commons, 2019). O financiamento de suas atividades é proveniente de doações de fundações privadas nacionais e internacionais (entre as quais: a norte-americana Ford Foundation e a suíça OAK Fundation), de patrocínios a projetos e eventos, editais e financiamento direto dos leitores. (Pública, 2019).

O Nexo Jornal é outro modelo bem-sucedido de jornalismo online. Em funcionamento desde o ano de 2015, integra o projeto Credibilidade, a unidade brasileira do Trust Project, um conceito global de organização de mídia “cujo objetivo é implementar padrões de transparência que ajudem o público a avaliar a qualidade e a confiabilidade do jornalismo e, assim, fazer escolhas bem informadas (Nexo Jornal, 2019a). O NEXO, que traz entre como princípios editoriais, o equilíbrio, a clareza e a transparência; tem por objetivo a promoção de um jornalismo inovador que “contribua para um debate público qualificado e plural, e que seja capaz de fortalecer a democracia brasileira” (Nexo Jornal, 2019a). O jornal trata de temas multidisciplinares como: política, economia, acontecimentos internacionais, cultura, ciência, tecnologia, artes, entre outros. No site do NEXO não há publicidade e, desde de 2016, o acesso para assinantes é ilimitado e, para os não-assinantes, o acesso é limitado a cinco publicações abertas por mês (Nexo Jornal, 2019b).

O espaço on-line também é fértil para revistas independentes. Nesse contexto, tem-se AZMINA, uma instituição sem fins lucrativos que produz uma revista digital e desenvolve um jornalismo que combate os diversos tipos de violência que atingem às mulheres brasileiras. A revista, que iniciou suas atividades por meio de uma ação de financiamento coletivo, no ano de 2015, tem como missão, por meio da informação, promover a equidade de gênero e da educação, considerando especificidades de raças, classe e orientação sexual. A revista tem uma gestão coletiva de suas ações. O financiamento do trabalho desenvolvido se dá por meio do apoio dos leitores, de parcerias com algumas empresas na produção de projetos e ações de voluntariado. Ao registar o apoio recebido, a AZMINA, consigna que:

Por fim, mas sem esgotar o grande número de páginas on-line de jornalismo independente, cabe trazer o Coletivo Jornalistas Livres; uma rede de coletivos que se autodefine originada na diversidade. O Coletivo, que surgiu no ano de 2015, disponibiliza matérias jornalísticas sobre temas como: moradia, política, direitos humanos, cultura e educação. Em sua página de apresentação deixa claro sua oposição aos “estratagemas da tradicional indústria jornalística (multi) nacional, que, antidemocrática por natureza, despreza o espírito jornalístico em favor de mal disfarçados interesses empresariais e ideológicos” (Jornalistas Livres, 2015). O Coletivo produz reportagens, crônicas, análises, críticas, e não tem espaço para publicidade ou lobby privado. Entre seus propósitos está a luta pela democratização da informação e da vida em sociedade. Tem por missão estar “comprometido em informar sob a égide da cidadania e do combate às desigualdades [...] trazer notícias dos fracos e oprimidos, sabendo que individualmente também somos fracos e oprimidos, mas TODOS JUNTOS SOMOS FORTES” (Jornalistas Livres, 2015). O Coletivo financia suas atividades por meio de crowdfunding e adota o livre compartilhamento do que é produzido, salvaguardo os compromissos éticos e os direitos individuais de autoria.

III. Plataformas on-line intermediárias e fake news

Em relação à sociedade em rede, uma característica muito marcante é a busca por informações por meio de plataformas on-line que atuam como “intermediárias” e que se notabilizam pela disseminação de notícias falsas. Em sede de exemplo tem-se os mecanismos de busca Google, Yahoo entre outros. Também são parte deste tipo de procedimento, e considerados a porta de entrada de muitos conteúdos no mundo on-line, as redes sociais como: Facebook, Twitter e aplicativos de comunicação instantânea, como o Whatsapp. Por consequência, assinalam Valente e Pita,

Este fenômeno, irradiado em meio ao universo político e social, tem sido motivo de aumento da polarização ideológica e da radicalização de discursos de ódio. Esse tipo de ação ocorre em ambientes onde a livre manifestação do pensamento resta por ser ameaçada por instrumentos ainda não regulados de contenção das fake news. O contexto da disseminação de notícias falsas tem tamanho impacto na vida das pessoas que o dicionário Oxford escolheu, em 2016, pos-truth11 (pós-verdade) como palavra internacional do ano, tendo por fundo os acontecimentos ocorridos com a imensa onda de fake news disponibilizadas aos eleitores na escolha da Grã-Bretanha pela saída do Brexit12 e na eleição à presidência dos E.U.A. (Oxford University Press, 2019).

No que se refere ao Brexit, a realização do referendo, aprovado pelo parlamento britânico European Union Referenddum Act 2015, levou à imprensa a ser protagonista e vítima de uma campanha de desinformação com ideias xenófobas contra a entrada de imigrantes em território britânico. (Legislation.gov.uk, 2015). Os tabloides impressos estampavam em suas capas manchetes com informações falsas, o que restou a influenciar o público eleitor. As propagações de falsas notícias eram concertadas a partir de ações de líderes ultraconservadores como, por exemplo, Nigel Farage. O político era favorável a saída do Reino Unido do bloco europeu e endossou a exibição de um pôster com a imagem de milhares de imigrantes se dirigindo ao território britânico. (Odilla, 2016). A opinião do eleitor foi fortemente influenciada por meio de instrumentos de coleta de dados pessoais retirados de redes sociais, em especial no Facebook, pela empesa Cambriget Analytica. Nessa discussão, Christopher Wyle, ex-funcionário da Cambriget, ao depor na Comissão de Assuntos Digitais do Parlamento britânico, sobre o papel da Cambriget no plebiscito, afirmou que a empresa, após ter acesso a mais de 50 milhões de dados de usuários do Facebook (BBC News, 2018).13, fez uso dos mesmos para propagar a campanha a favor do Brexit,

Wyle apresentou documentos à Comissão para provar o que disse em depoimento aos parlamentares. Afirmou, ainda, que a AggregateIQ enviou propaganda política em favor da saída do Bloco Europeu para mais de sete milhões de eleitores durante a campanha.

A Cambridge Analytica também teve papel fundamental na eleição à presidência dos E.U.A. no ano de 2016. A empresa foi contratada pelo Comitê de Ação Política da candidatura do partido republicano e, a partir do perfil psicológico dos usuários, por meio de dados coletados no Facebook, elaborou estratégias de ação por região do país. As fake news eram permanentemente enviadas aos eleitores com mensagens favoráveis à candidatura republicana e depreciativas em relação à candidatura democrata. Entre as fake news que permearam o debate eleitoral é possível destacar a de que o Papa Francisco apoiava o candidato republicano e que a candidata democrata se drogava antes dos debates. A Cambridge usou o Facebook para, com propagandas pagas, direcionar o discurso xenófobo do republicano que prometia “expulsar os mulçumanos do país” e adotar medidas conservadoras de gestão como, por exemplo, o fim do ObamaCare, programa de saúde criado no governo Obama. Conforme o estudo realizado pelos cientistas políticos norte-americanos, Brendan Nyhan, Andrew Guess e Jason Reifler, ao observar os hábitos de consumo dos eleitores, constatou-se que 27% das pessoas leram pelo menos uma notícia falsa. Também que os eleitores do candidato republicano eram mais propensos a acessar sites que disseminavam as fake news, sendo que as notícias falsas obtinham maior aderência nos eleitores com posições políticas mais extremadas. (Venturini, 2018).

No Brasil, durante a eleição presidencial de 2018, a disseminação de fake news teve protagonismo ímpar em meio aos eleitores. Havia uma verdadeira “máquina’ de notícias falsas sendo distribuídas, principalmente, pelo aplicativo Whatsaap. A campanha do candidato vencedor do pleito usou a ferramenta sob duas frentes: uma servia para rebater matérias jornalísticas que fossem desfavoráveis à sua candidatura e, outra, para fake news. Entre os boatos disseminados teve muita repercussão a de que as urnas haviam sido fraudadas antes mesmo de ter ocorrido a eleição. Também as afirmações de que veículos da mídia haviam recebido dinheiro para trabalhar contra a sua candidatura e que os códigos das urnas eletrônicas haviam sido repassados ao governo Venezuelano. O aplicativo também foi o meio usado para levar a milhares de pessoas as ideias políticas e o discurso conservador do candidato. (Benites, 2018).

Em sede de legislação a fim de conter as fake news, de forma sucinta, é possível trazer o exemplo da Alemanha, onde foi aprovada a Lei de Aplicação na Rede - Netzwerkdurchsetzungsgesetz, que obriga as plataformas com mais de dois milhões de usuários, como as redes sociais Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Google, Youtube, a implementar ações eficientes para combater as notícias falsas. (Alemanha, 2017). No caso de violações da legislação, as empresas podem ser multadas em até 50 milhões de euros. A lei recebe muitas críticas de membros políticos da extrema direita e de ativistas da Internet. Um dos efeitos da aplicação da nova legislação foi sentido pela “deputada do partido nacionalista AFD, a qual teve sua conta no Twitter e no Facebook bloqueadas após criticar a política de Colônia por enviar um tweet de Ano Novo em árabe” (DW Made for Minds, 2018).

No Brasil, parte da legislação possível de ser aplicada no combate a fake news tem no artigo 19 do Marco Civil da Internet, o seguinte texto:

Como é de notar, o provedor somente será punido se, sob ordem judicial, não retirar do ar o conteúdo considerado fake news. Em sede de legislação eleitoral, a minirreforma de 2013 tipificou como crime a ação de quem contratar, direta ou indiretamente, grupos de pessoas, “com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na Internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato ou partido ou coligação” (Lei no9.504, 1997). Uma das iniciativas mais importantes realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral foi a criação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, com a atribuição de desenvolver pesquisas e estudos sobre o processo eleitoral e, assim, propor ações e procedimento a fim de aperfeiçoar a legislação. (Lei no9.504, 1997).

Nas eleições presidenciais do ano de 2018, o TSE editou a Resolução nº 23.551, sendo importante o destaque do artigo nº 22, no qual tem-se que: “A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na Internet somente é passível de limitação quando ocorrer [...] a divulgação de fatos sabidamente inverídicos” (Tribunal Superior Eleitoral. Portaria TSE no949, 2017). Em maio de 2019 o Tribunal Superior Eleitoral promoveu o Seminário Internacional Fake News e Eleições, onde foram debatidos mecanismos a fim de assegurar que no próximo pleito eleitoral seja possível encontrar meios de controle na emissão das notícias falsas. Em meio ao debate restou evidenciado que a legislação brasileira ainda possui gargalos que impedem a tutela para lidar com este fenômeno. Um dos pontos levantados por Henrique Neves, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral - Ibrade, foi a difícil identificação do que é fato falso e opinião falsa, pois, no seu entendimento, “opinião falsa existe, e é de cada um”. Outro ponto em discussão trata-se da definição da territorialidade e competência para julgar o crime cometido, “no lugar do efeito ou na origem” (Scardolli, 2019).

Por fim, na convicção de que o indivíduo, ao tornar-se efetivamente um receptor coletivo de informação, processa e interpreta a notícia a par de sua capacidade cognitiva, é de considerar que sua posição afeta diretamente o processo decisório eleitoral, agora sob a égide das fake news. Importa, ainda, a relevância dos meios de comunicação neste processo, pois, “a dinâmica da comunicação social é essencial na formação da consciência e da opinião, e a base do processo de decisão política” (Castells, 2005, p. 23).

Este fato tem levado especialistas e estudiosos a firmar que o uso de forma indevida dos meios on-line acaba por ter influência direta na própria estabilidade do regime democrático, pois, a propagação de fake news tem sido considerado como uma interferência na formação da opinião pública no decorrer dos processos eleitorais.

IV. Conclusões

Como pôde ser estudado no decorrer do presente artigo, a sociedade da informação nos apresenta uma revolução em termos de capacidade e amplitude de comunicação interpessoal e também entre as nações. Dessa maneira, novos instrumentos são dispostos ao exercício do direito fundamental à liberdade de manifestação do pensamento e à liberdade de expressão, no caso, por meio das plataformas on-line de comunicação, mais especificamente, nas denominadas mídias digitais, a consubstanciar todo um arcabouço jurídico na tutela ao direito humano à comunicação.

O referido formato propiciou que os veículos de comunicação ampliassem seu alcance na oferta de informações e notícias aos seus clientes. Por consequência, criou-se a oportunidade do surgimento de veículos a ultrapassar o modelo convencional de mídia, como os jornais on-line, blogs, serviços de streaming e plataformas de buscas. Nesse contexto, a esfera pública comunicacional restou a contar também com veículos independentes de mídia com livre atuação no universo on-line.

Contudo, embora haja no direito comparado normas de regulamentação de algumas dessas plataformas, como no caso dos serviços de streaming, o fato a ser considerado é que há instrumentos on-line em que o fluxo de informações e notícias, por meio de plataformas intermediárias, tais como sites de relacionamentos, mecanismos de busca e aplicativos de comunicação instantânea, restam por se tornar territórios férteis na disseminação de fake news e do discurso do ódio.

Por esse viés, consigna-se que, embora haja a tutela constitucional do direito às liberdades comunicacionais, o referido exercício deve ocorrer com reponsabilidade argumentativa. É dizer que, os efeitos nocivos ao princípio democrático, pedra angular da nossa sociedade, devem ser considerados na coerção e punição da projeção dessas manifestações apócrifas, pois restam a consubstanciar situações concretas de colisões com direitos fundamentais da pessoa humana e do próprio Estado Democrático de Direito.

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